Os invisíveis

Quando morávamos em Belo Horizonte levamos nossa filha para assistir o filme  "Os Incríveis".
Eu, particularmente, fiquei encantada com a Sra. Incrível e sua capacidade de se desdobrar para atender aos filhos e ao marido, abdicando de sua vida profissional-heroica anterior, quando atuava como a "Mulher Elástica".
Minha filha logo se identificou com a Violeta, filha mais velha do casal "Incrível", seja pela faixa etária e pelos dilemas infantis que passava em uma escola nova, coleguinhas novos etc. Isso sem falar em todo o contexto que vivíamos, em um estado com sotaques, cultura, sabores - tudo diferente.
Às vezes eu chegava do trabalho e perguntava se ela estava gostando da nova "Profi" e ela prontamente me respondia: " É 'Tia', Mamãe!!". Ela  precisava se adaptar, e tinha pressa nisso.
Havia dias em que não queria ir à escola, alegando brincadeiras "sem graça" dos colegas, ante as  diferenças  de sotaque.  Então eu a aconselha a não dar importância para aquilo, fazer de conta que nem estava vendo. Talvez, em seus conflitos, tenha querido se tornar invisível, assim como a menina da família Incrível.
Diante das dificuldades temos a tendência a sofrer da síndrome de avestruz. Desejamos enterrar a cabeça, e fechar os olhos aos problemas que nos rodeiam. Vem a urgência de sumir, desaparecer. Como se ao voltarmos, o passado estivesse apagado, tudo resolvido.
Porém, não é desse tipo de invisibilidade que quero tratar. Não aquela almejada, querida, voluntária.Subterfúgio para fugir dos problemas.
Outro dia, num voo para Belo Horizonte, sentei na poltrona do meio. Ao meu lado ia um jovem, cabelo estilo "emo", calça skinny, camiseta Calvin Klein e óculos escuros (de alguma grife, naturalmente).
Pedi licença ao sentar e disse "bom dia". Minha voz ficou ecoando no silêncio. Nada. Ele não respondeu nada, nem o cordial sorriso chinês. Sequer me olhou.
Logo a seguir ele completou o "kit invisibilidade", pegou o seu iPod, fones nos ouvidos e assim seguiu até nosso destino.
Impressiona-me essa capacidade das pessoas de se imaginarem invisíveis. Na verdade, tenho sérias dúvidas de quem realmente se torna invisível nessas situações. Seria eu o sujeito  invisível naquele voo? Do ponto de vista daquele passageiro sentado ao meu lado, com certeza, eu é que era invisível.
Há pessoas quem têm esse incrível poder: transformar os outros em seres invisíveis, com sua indiferença.
Por exemplo, vejo mulheres entrando e saindo dos banheiros de um Shopping, sem notarem a presença das moças da limpeza. Estas, geralmente, caladas num canto do banheiro, ficam surpresas quando lhes dirijo um "bom dia". Sorriem como se alguém tivesse quebrado o feitiço, o encanto que lhes foi imposto. Devolvem o bom dia, com um misto de surpresa e agradecimento, como se me dissessem: "Você me vê!!".
Pecisamos do olhar do "outro" para perceber nossa existência. O filho necessita do olhar da mãe, para se perceber valorizado. O olhar do parceiro, tão fundamental para se perceber amado.
Embora possamos imaginar que num mundo de individualismo pouco nos importa o olhar daqueles que não fazem parte de nossas relações íntimas, creio que tal olhar é que nos possibilita o exercício da solidariedade.
Preciso olhar o outro para senti-lo, para me compadecer de suas dores.
Algumas pessoas vivem lutando por mais visibilidade. Vivem como se estivessem sempre na vitrine, cobertos de insígnias de poder. Quase esbarram nos "invisíveis", indiferentes a sua presença.
No reino do hedonismo, o "outro" só tem existência para servir ou quando se sentem, de alguma forma, incomodados, perturbados em seu conforto.
Não me conformo com isso. É provável que por morar no Sertão de Minas Gerais aprendi a ver o mundo com a lente macro. É impossível não ver a aquela mulher tão pequena, levando a roupa para lavar, equilibrando a enorme trouxa na cabeça. Não consigo fechar os olhos aos menininhos carregando lenha para casa, desafiando os frágeis braços, que de tão finos se confundem com os galhos que levam. Ah... e os carvoeiros impregnados de fuligem misturada ao suor, como não vê-los? Tudo numa dimensão tão grande para meus pequenos olhos que penso que não caberá em mim.
Continuarei sendo invisível para aqueles que não querem enxergar, cuja visão está completamente ofuscada pelo brilho da  própria imagem. Quanto a esses, que sigam em sua cegueira.
O que temo é a perda da capacidade de ver em profundidade. Quero continuar tendo a visão gigantesca para as coisas, aparentemente, minúsculas e sem valor.
Enfim, pouco me importa a invisibilidade imposta, desde que eu continue sensível aqueles que me rodeiam. Isso é o que realmente interessa.

Comentários

  1. Olá Lisandre!

    O importante é o Amor que carregamos em nosso Ser e isso é o que nos faz bem! Esse bem nos faz acreditar que de certa forma poderemos sempre deixar uma sementinha que de repente sem que estes vejam, germinam e até podem vir num outro instante dar frutos. A simplicidade faz parte em aceitar e saber que Amar é sempre a melhor opção!

    Um abraço,
    "Todo o Conhecimento é Luz que Inspira a Alma" -*Vera Luz*-

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