E Se os Gatos Sumissem do Mundo?
Reflexões sobre o livro de Genki Kawamura
Há cerca de um ano, compramos duas canecas, uma branca e outra preta, na The Coffee — uma cafeteria brasileira inspirada no minimalismo japonês. A preta era minha favorita. Semana passada, percebi que ela havia sumido. Confesso que minha primeira reação foi de um leve desconforto. Procuramos por todos os cantos possíveis e, não a encontrando, concluímos que alguém provavelmente quebrou a caneca e “desovou” os cacos no lixo. Afinal, sem “corpo”, não há crime, certo? (risos).
Consciente de que o desaparecimento da caneca preta era irreversível, logo tentei me consolar, pensando: “Menos uma coisa, Lisandre”. Talvez isso tenha sido um eco de uma tentativa antiga: viver com menos, no estilo Marie Kondo. Confesso que a experiência foi curta. Descartar roupas, sapatos e utensílios de cozinha foi fácil. Mas, quando cheguei à biblioteca, a tal “arrumação” acabou definitivamente. Não consigo desapegar de livros. Há algo neles que vai além do objeto — são histórias, memórias de quem fui ao lê-los.
Por outro lado, a solidão da caneca branca me levou a refletir sobre um livro que li recentemente: "Se os Gatos Desaparecessem do Mundo", do autor Genki Kawamura (Editora Bertrand Brasil, 2024). A história nos apresenta um carteiro à beira da morte, que recebe uma proposta inusitada do diabo: mais um dia de vida, em troca de eliminar algo do mundo. Telefones, filmes, relógios, gatos. A cada escolha, ele percebe que não está apenas eliminando coisas, mas apagando pedaços de si mesmo.
Kawamura, Goethe e o Minimalismo
Lendo Kawamura, não pude deixar de lembrar de Fausto, de Goethe. Em ambas as histórias, o protagonista faz um pacto com o diabo, mas por razões bem diferentes. Fausto queria poder e conhecimento; o carteiro, mais tempo. Fausto é grandioso; o carteiro é íntimo, cotidiano.
Apesar da distância de mais de dois séculos entre as duas obras, há algo que as conecta. Tanto na filosofia ocidental quanto no minimalismo japonês, existe a ideia de que, ao nos livrarmos do supérfluo, podemos descobrir o essencial.
No livro de Kawamura, o carteiro descobre que, ao abrir mão de algo, não está ganhando tempo, mas deixando para trás fragmentos da própria história. Um telefone? Não é só um aparelho, é a ponte que nos conecta a quem está longe — às vezes, até àquela ligação que nunca fizemos. Um relógio? Não é apenas um acessório preso ao pulso, é o tique-taque que marca o compasso do tempo. E os gatos, ou cachorros? Ah, eles são mais do que companheiros; são o olhar manso que, mesmo no silêncio, diz tudo.
O Que Você Não Suportaria Perder?
Descartar objetos é fácil. Difícil mesmo é viver sem aquilo que dá sentido à nossa existência.
Tanto em Fausto quanto em "Se os Gatos Desaparecessem do Mundo", as escolhas têm um preço. O carteiro nos ensina que a vida não é sobre o que possuímos, mas sobre o que compartilhamos. Então, talvez a pergunta não seja o que podemos descartar, mas o que não suportaríamos perder.
E você? O que faria desaparecer para ganhar mais um dia? Ou, talvez, a pergunta mais relevante seja: o que faz sua vida valer a pena?
Leia mais:
Onde encontrar o livro: Se os Gatos Desaparecessem do Mundo
Leia uma análise detalhada no blog Home for Fiction: Resenha do livro
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