A Teoria Econômica do Provador

Confesso, estou um pouco constrangida.
Vejo as notícias do terremoto, seguido do tsunami no Japão. Enchentes para todo o lado, e eu aqui pensando em algo tão fútil, mesmo diante de tanta calamidade.
Perdoem-me pelo assunto de hoje, digamos que inapropriado para o momento. Procuro uma palavra mais adequada para qualificar o tema, mas não encontro. Sim, hoje me flagrei pensando em coisas fúteis.
Meu superego tirânico está aqui a me criticar. Como ter coragem de falar de algo tão banal? O fato é que quero romper com alguns paradigmas, dando-me o direito de falar de banalidades.
Pensar já seria uma transgressão. Publicar, aos olhos de muitos,  poderá me ser imputado como indisciplina.
Ah... perdoem-me por essa impropriedade. É que o cotidiano de um juiz é extremamente angustiante, pesado.  Defrontamo-nos com aquilo que o ser humano tem de pior: violência, abandono, agressões, vícios, dentre outras condutas de desvio.  Tudo tão pungente, que nos absorve ao extremo.
Então, hoje, reservei-me a prerrogativa de exercer o direito de expressão livre. Ainda que se espere de uma juíza, temas sobre Direito e Justiça, desvisto-me da toga para tratar de coisas menos importantes.
Fui ao shopping comprar um presente de casamento. Após,  cumprida a agenda programada e com algumas “comprinhas” não previstas,  saí do tal Shopping  com uma desagradável sensação de insatisfação, maior do que quando entrei.
Ora, não deveria eu estar contente? Afinal, comprar, dizem as pesquisas, é uma das atividades que mais trazem satisfação aos indivíduos pós-modernos. Por que, então, a frustração?
Eis, a dura realidade:  É o mero ato de comprar o que nos traz satisfação, e não o fato de adquirir algo novo ou de que necessitamos, como supõem alguns. 
Imediatamente após a compra, o objeto de desejo perde seu brilho, ofuscado por todas as outras coisas que poderíamos ter optado, escolhido. Escolher uma coisa é abrir mão de todas as outras que estavam ao nosso alcance.
Durante o passeio pelo Shopping, olhei ao redor, e todos - sem exceção - pareciam alheios ao que acontecia lá fora. É admirável a capacidade que esses centros de compras têm de nos fazer esquecer de tudo o mais,  ficando meio que hipnotizados com tantas vitrines e lojas, oferecendo todas as coisas, supostamente, indispensáveis para nossa felicidade, imprescindíveis para nossa realização pessoal.
Não quero ser injusta com todos os transeuntes do shopping. Imagino que alguns que passavam pela banca de revista, até tenham lembrado do caos enfrentado pelos japoneses, da crise econômica na Europa e/ou das inundações em várias cidades brasileiras. Entretanto, tenho sérias dúvidas do quanto ainda somos sensíveis diante dessas tragédias. Será que os repetitivos desastres naturais cauterizaram nossa capacidade de nos solidarizar com a dor do Outro?
Temos consciência do problema, todavia  permanecemos em obediência à  Primeira Lei de Newton: inertes.  Não nos mobilizamos, acreditando que alguém – em algum lugar deste planeta – tomará a iniciativa de fazer alguma coisa em prol do Outro.  Enquanto isso, ao longe, nos limitamos a demonstrar uma certa consternação diante das cenas de horror estampadas nas manchetes de jornais, mas continuamos nossa caminhada, desfrutando de tudo que o shopping tem a oferecer.

Por favor, não me interpretem mal. Afinal, não sou avessa aos Shopping Centers. Devo admitir que faço parte da geração “líquido-moderna”, como afirma Bauman. Assim, o consumo é algo inerente ao estilo de vida da sociedade atual. O indivíduo, filho dessa geração “hipermoderna” - como aponta Gilles Lipovetsky -, deseja consumir,  sobretudo, aquilo que satisfaz unicamente a ele: quer o seu netbook, o seu Ipad, o seu smartphone, a sua bolsa de luxo. 
Os objetos de desejo atuais são preponderantemente individuais. Os quais logo estarão ultrapassados, na mesma velocidade em que foram adquiridos. Gerando, dessa forma, novos desejos de consumo, outras necessidades. Essa é a lógica da “culturalização das mercadorias”.
Por isso, para atender a essa sociedade hiperconsumista, tudo tem que ser muito atraente num Shopping. A exemplo do cheiro cítrico dos aromatizados de ambiente. A iluminação indireta, deixando o local mais aconchegante. Os climatizadores na temperatura ideal. Ah, não poderia deixar de mencionar as “colaboradoras”, de regra, bem vestidas e perfeitamente maquiadas. Moças simpáticas, ainda fazem a gentileza de sugerir modelos e cores, sem deixar de nos lembrar que tudo pode ser pago facilmente, em suaves parcelas no cartão de crédito, aceitando as mais variadas bandeiras.
Inserida nesse “cosmo consumista”, também  sou protagonista dessa história manuscrita em faturas de cartão de crédito. Queremos ser belos, estar bem vestidos, cedemos aos apelos da moda.  Enfim: essa é a cultura em que vivemos.  
Contudo, o indivíduo hipermoderno, não encontra a felicidade ao sair das lojas, mesmo que  com os braços repletos de sacolas. Ainda que assim seja, ele insiste, persiste. O sujeito hipermoderno vai desejar mais alguma coisa para comprar.
É compreensível esse comportamento,  porque existem apelos irresistíveis às compras, sejam promoções arrasadoras ou liquidações.
Posso estar andando pelos corredores do Shopping, convicta de que não necessito comprar absolutamente nada. De repente... Não mais que de repente, deparo-me com “aquele” objeto de desejo.  Daí, proponho-me dar só uma “olhadinha”.
Entro na loja, com toda aquela parafernália para me seduzir, e solicito à atendente a peça apenas para experimentar. Até aí, tudo caminha para a concretização da compra. Mas é só eu entrar no provador que a coisa descamba.
Meu desejo invencível de comprar se esvanece, evapora, some - toda vez que me dirijo ao provador.  Ainda não encontrei um provador que me conquistasse, me seduzisse.
Aquele espelho de "corpo inteiro" a poucos centímetros do meu corpo, causa-me a desagradável impressão de  que todas as coisas indesejadas em meus contornos tomam o primeiro plano.  É como se o infeliz espelho urrasse nos meus ouvidos: " Ei, amiga, essa roupa aí não está lhe caindo nada bem...". Fala tão alto que parece um espelho de aumento.
Naquele cubículo, a semelhança de um confessionário, sou obrigada a encarar a realidade: devo ter algum defeito de fabricação, pois, peço um número maior, e a roupa fica larga na cintura. Se peço o número menor, fica apertada embaixo. (Quanta falta faz uma costureira...).
O quadro se completa quando o tal provador tem aquela luz fluorescente, bem acima da cabeça.  Essa iluminação direta, literalmente te assombra, dando a impressão que algum fenômeno sobrenatural aconteceu ao se fechar a cortina:  de um instante para o outro, passa-se a ser mais gordo, mais baixo, com pernas curtas, olheiras mais profundas. Isso sem falar na visualização das ondulações do tecido subcutâneo, que, aparentemente, não existiam até ali.
Não entendo como esse universo “tecno-midiático”, usando a expressão de Gilles Lipovetsky,  ainda não pensou em criar provadores mais camaradas. Acredito que ninguém reclamaria de propaganda enganosa ou violação do Código de Defesa do Consumidor.
Com tanto investimento em técnicas de vendas e hipertrofia de oferta mercantil, ainda não vi nenhuma teoria sobre o impacto do provador no declínio das vendas.
Se existissem provadores menos sinceros, nos quais pudéssemos nos enxergar  mais belos, mais magros, concretizar a compra seria algo irresistível, incontornável.
Acreditaríamos, com absoluta resolução,  que não haveria sentido viver sem aquele produto.  Arranjaríamos mil e um motivos para nos livrar da culpa por estar comprando mais um sapato, mais uma bolsa etc.
Com certeza, haveria um incremento nas vendas, e a demanda por bens supérfluos iria às alturas. As administradoras de cartões de crédito aumentariam seus lucros, ainda que isso representasse aumento de inflação ou endividamento familiar.
É claro, tudo isso, sem nenhuma promessa de satisfação garantida.  Dado que,  aprovada a compra na " maquininha", ainda haveriam tantas outras vitrines tentadoras, tantos outros provadores a nos chamar.
Não há vendedor “pit bull” que me convença do contrário. Aquilo que um sincero espelho de provador já me falou, está falado.  Largo o produto.   Sem dó, nem piedade.  
Deixo a loja, desencantada, já programando o início da dieta e a matrícula na academia.
Se as mulheres são atualmente os principais alvos das campanhas publicitárias, deixo aqui meu manifesto, contra esses sinceros provadores.


Comentários

  1. Mulheres e Provadores, um caso de amor e ódio...
    Muito boa a crônica. Parabéns mais uma vez.
    Ricardo Schwertner

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  3. Concordo plenamente, os porvadores enfeiam a gente...
    Eu detesto e sinceramente ignoro a opinião dele, senão nunca mais entrava em um, os da Renner são os piores.
    Beijos

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