Entre a Razão e a Emoção: Reflexões de uma Juíza sobre o Ato de Julgar


Uma magistrada compartilha suas reflexões sobre humanidade, justiça e a delicada arte de equilibrar sensibilidade e lei no exercício da jurisdição.

O Desafio da Página em Branco

Estou diante de uma tela em branco, esse portal de infinitas possibilidades. Cinco minutos se passam, e ela permanece imaculada. Não por falta de assuntos - eles abundam, desde o trágico assassinato da colega Patrícia Acioli até os intensos dias de trabalho. Mas hoje, algo me convida à reflexão mais profunda.

Palavras ao Mar: O Ato de Escrever

Escrever é como lançar garrafas com mensagens ao oceano - nunca sabemos em qual praia atracarão. Como Sherazade nas "Mil e Uma Noites", cada texto carrega a esperança de encontrar seu destino, de ecoar em algum coração leitor.

Jurisdição em Tempos Sombrios

O Peso da Toga

Ser juiz hoje significa materializar a lei em tempos desafiadores. Diariamente, desfila diante de meus olhos um mundo repleto de complexidades humanas - vida crua, sem direito a cortes ou censura. São processos onde emoções transbordaram seus limites, onde a lei violada clama por restauração.

Entre Razão e Sentimento

Posiciono-me como observadora até o momento crucial em que apenas eu e minha consciência nos confrontamos. O dilema de dizer o direito nem sempre oferece saídas salomônicas. Alguém ganha, outro perde - uma responsabilidade que pesa sobre os ombros.

O Mito do Juiz Imparcial

Além das Aparências

Estaria ainda vivo no imaginário coletivo o juiz sisudo, guiado exclusivamente pela razão? Edgar Morin já defendia que a maior característica do homo sapiens não era a razão, mas sua capacidade de sentir emoções. Neurocientistas como António Damásio confirmam: sem emoções, não há julgamento adequado.

A Etimologia do Sentir

Não é por acaso que "sentença" deriva do verbo "sentir". Cada decisão judicial passa pelo filtro pessoal do julgador, marcada por impressões e sentimentos sobre o caso em análise. A lei fornece os fundamentos, mas é o sentimento que ilumina o caminho.

O Olhar da Justiça

Recordo-me de quando criança, no escritório de meu pai, questionava a venda nos olhos da estátua da Justiça: "Como ela vai saber o que está colocando na balança?". Hoje entendo: para julgar, precisamos remover todas as vendas e preconceitos que cobrem nossos olhos.

A Sensibilidade como Ferramenta

Não acredito em juízes sem emoções, em "tábulas rasas". Somos permeáveis ao meio, como qualquer ser humano. É essa sensibilidade que nos capacita a sermos magistrados conectados com nosso tempo, atentos aos silêncios que gritam, aos gestos que contam histórias, aos olhares que revelam verdades além das palavras.


Leia mais: 

Morin, Edgar (1999). Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez.

Damásio, Antonio. (1996). O Erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro Humano. São Paulo: Companhia das Letras. 


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Comentários

  1. Sim, precisamos do vazio para criação, mas devemos saber que muitascoisas natas permeiam dentro de nós.
    Eu não acredito em tábula rasa... aquela que vai se preenchendo depois.
    creio sim em algumas lacunas que são necessárias, algumas fendas ou vãos, mas no vazio eu não acredito.
    Abraços.
    Adoro seus posts.

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  2. Cara Lisandre, você é uma mulher muito especial... Além da inteligência, possui sabedoria. Acredito na forma como pensa, na forma como toma suas decisões... e embora não a conheça pessoalmente, sinto que você é assim... é doce, mas nem por isso deixa de possuir a coragem necessária a enfrentar tantos desafios; é respeitada, contudo, para isso, não necessita ser amarga ou indiferente aos sentimentos humanos, tão imprevísieis muitas vezes. Amei seu texto. Sua personalidade é admirável... Acredito que sua posição é a mais nobre e corajosa. Tenho que a razão e a emoção podem andar juntas e estarem entrelaçadas, pois a emoção tem sim um bocado da razão... aquela razão considerada a mais justa. Continue a escrever esta história maravilhosa. O caminho apresenta-se árduo por diversas vezes, mas ainda assim, ele é muito gratificante, uma jóia rara que poucos tem nas mãos. Bom sábado... Um grande beijo, Ana Paula.

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