Fora do contexto
Fora de Contexto
Naquela tarde de fim de dia, ao lado de uma parada de ônibus na Av. Cristiano Machado, em Belo Horizonte, algo me fez parar: um sofá vermelho, largado no meio do passeio público. Meio rasgado, a espuma exposta e a tapeçaria desfiada. Parecia um velho companheiro, agora despedido de algum lar, depois de anos de serviço. Ele estava ali, largado, alheio ao corre-corre de todos ao seu redor.
Antigamente, quem esperava um ônibus numa parada cruzava os braços, fumava um cigarro, e olhava ansiosamente para o horizonte, na esperança de que, por um milagre, ao menos naquele dia, não houvesse um atraso. Outros fixavam o olhar no chão, como se o tempo, àquela altura, fosse um luxo que não mereciam. A espera, para quem está nesse limbo, se arrasta, como se cada segundo fosse um lembrete de que algo está sendo perdido, silenciosamente.
Hoje, a cena mudou, mas o ritmo da espera continua o mesmo. As pessoas estão ali, de pé, em silêncio — mas esse silêncio é outro. Ele é interrompido pela tela iluminada de um celular. Ninguém mais olha para o horizonte ou para o chão. Todos estão absorvidos pelas pequenas telas, deslizando os dedos, navegando por memes, curtindo e compartilhando pedaços de uma vida que não é a sua. A parada de ônibus se transformou em um ponto de conexão instantânea, onde o tempo, em vez de ser perdido, agora é preenchido pela constante rotação das redes sociais. Há quem diga que esperar nunca foi tão produtivo.
Antes, o tempo parecia escorrer como areia entre os dedos. Hoje, ele se dissolve num turbilhão de posts, notícias e o que mais aparecer na timeline. A espera virou um exercício de distração. E, ainda assim, o ônibus não chega.
A espera, resignada, pela chegada do ônibus lotado, sabendo que a chance de encontrar um banco livre é mínima. Nesse mundo que não pára, ter que esperar beira o insulto. Vivemos comprimidos pelas urgências, adaptados à vida "on-line", onde tudo acontece ao clique dos nossos dedos. Não queremos ver o sinal fechado, a placa "PARE", ou os avisos para reduzir a velocidade. Parar e esperar se tornaram contradições na era do imediato.
A parada de ônibus é exatamente isso: um paradoxo entre o tempo que evapora e o ônibus que não chega.
Ironicamente, você passa o dia correndo, esbaforido, enquanto o chefe, com um banner no peito, grita: "Rápido, mais rápido!" E, ao final do expediente, começa a maratona de volta para casa, como se a vida fosse uma corrida interminável. Nos rostos da "parada", lê-se cansaço, fome, sono, irritação, desânimo.
Mas o sofá vermelho, ao contrário, não parecia esperar por nada. Talvez tivesse sido abandonado recentemente, sem marcas do tempo passado ao relento. Talvez nem tenha tido tempo de refletir sobre a nova situação. Ali ao lado, um homem de terno e gravata aguardava impacientemente. Olhava para o relógio, para os bancos da parada ocupados, e para o sofá vermelho. "Será um convite?", pensou.
Por mais que suas pernas estivessem cansadas ou seus ombros doloridos, aquele sofá não estava à sua altura. “Ah, aquela velha história de ‘nível sócio-cultural’ diferente... Sem chance. Que assuntos teríamos em comum? Não haveria possibilidade de comunicação.”
De repente, entre os carros parados no trânsito, uma mulher apareceu. Ela atravessava a pista a passos lentos, equilibrando, sem auxílio das mãos, uma trouxa de roupas na cabeça. Seu olhar faceiro exibia um sorriso orgulhoso, como se tivesse acabado de conquistar uma grande façanha.
De longe, quase se sentia o cheiro de roupa lavada que ela carregava consigo, um rastro de frescor por onde passava. Ao ver a cena, me perguntei: "Como ela mantém esse equilíbrio?"
Entre tantas vozes, tanto barulho, tantas coisas que nos empurram ou atravancam, não tem sido fácil manter-se equilibrado na corda bamba da vida. Mas, por mais que parecesse que aquele mundo de roupas poderia desabar sobre a cabeça dela a qualquer momento, ela seguiu, passos firmes, até a parada de ônibus. Olhou ao redor e, sem hesitar, acomodou-se no sofá vermelho.
Sem palavras ou apresentações, os dois – o sofá e a mulher – se uniram, se entrelaçaram. A inconveniente espera, agora no conforto de um abraço, já não parecia tão dolorida.
Antigamente, quem esperava um ônibus numa parada cruzava os braços, fumava um cigarro, e olhava ansiosamente para o horizonte, na esperança de que, por um milagre, ao menos naquele dia, não houvesse um atraso. Outros fixavam o olhar no chão, como se o tempo, àquela altura, fosse um luxo que não mereciam. A espera, para quem está nesse limbo, se arrasta, como se cada segundo fosse um lembrete de que algo está sendo perdido, silenciosamente.
Hoje, a cena mudou, mas o ritmo da espera continua o mesmo. As pessoas estão ali, de pé, em silêncio — mas esse silêncio é outro. Ele é interrompido pela tela iluminada de um celular. Ninguém mais olha para o horizonte ou para o chão. Todos estão absorvidos pelas pequenas telas, deslizando os dedos, navegando por memes, curtindo e compartilhando pedaços de uma vida que não é a sua. A parada de ônibus se transformou em um ponto de conexão instantânea, onde o tempo, em vez de ser perdido, agora é preenchido pela constante rotação das redes sociais. Há quem diga que esperar nunca foi tão produtivo.
Antes, o tempo parecia escorrer como areia entre os dedos. Hoje, ele se dissolve num turbilhão de posts, notícias e o que mais aparecer na timeline. A espera virou um exercício de distração. E, ainda assim, o ônibus não chega.
A espera, resignada, pela chegada do ônibus lotado, sabendo que a chance de encontrar um banco livre é mínima. Nesse mundo que não pára, ter que esperar beira o insulto. Vivemos comprimidos pelas urgências, adaptados à vida "on-line", onde tudo acontece ao clique dos nossos dedos. Não queremos ver o sinal fechado, a placa "PARE", ou os avisos para reduzir a velocidade. Parar e esperar se tornaram contradições na era do imediato.
A parada de ônibus é exatamente isso: um paradoxo entre o tempo que evapora e o ônibus que não chega.
Ironicamente, você passa o dia correndo, esbaforido, enquanto o chefe, com um banner no peito, grita: "Rápido, mais rápido!" E, ao final do expediente, começa a maratona de volta para casa, como se a vida fosse uma corrida interminável. Nos rostos da "parada", lê-se cansaço, fome, sono, irritação, desânimo.
Mas o sofá vermelho, ao contrário, não parecia esperar por nada. Talvez tivesse sido abandonado recentemente, sem marcas do tempo passado ao relento. Talvez nem tenha tido tempo de refletir sobre a nova situação. Ali ao lado, um homem de terno e gravata aguardava impacientemente. Olhava para o relógio, para os bancos da parada ocupados, e para o sofá vermelho. "Será um convite?", pensou.
Por mais que suas pernas estivessem cansadas ou seus ombros doloridos, aquele sofá não estava à sua altura. “Ah, aquela velha história de ‘nível sócio-cultural’ diferente... Sem chance. Que assuntos teríamos em comum? Não haveria possibilidade de comunicação.”
De repente, entre os carros parados no trânsito, uma mulher apareceu. Ela atravessava a pista a passos lentos, equilibrando, sem auxílio das mãos, uma trouxa de roupas na cabeça. Seu olhar faceiro exibia um sorriso orgulhoso, como se tivesse acabado de conquistar uma grande façanha.
De longe, quase se sentia o cheiro de roupa lavada que ela carregava consigo, um rastro de frescor por onde passava. Ao ver a cena, me perguntei: "Como ela mantém esse equilíbrio?"
Entre tantas vozes, tanto barulho, tantas coisas que nos empurram ou atravancam, não tem sido fácil manter-se equilibrado na corda bamba da vida. Mas, por mais que parecesse que aquele mundo de roupas poderia desabar sobre a cabeça dela a qualquer momento, ela seguiu, passos firmes, até a parada de ônibus. Olhou ao redor e, sem hesitar, acomodou-se no sofá vermelho.
Sem palavras ou apresentações, os dois – o sofá e a mulher – se uniram, se entrelaçaram. A inconveniente espera, agora no conforto de um abraço, já não parecia tão dolorida.
Comentários
Postar um comentário
Deixe o seu comentário.