No divã da amiga



Quarta-feira estive na companhia de uma amiga, que há tempos não encontrava.
Depois do jantar, ficamos sentadas na mesa. Tínhamos muito o que contar. Colocar os assuntos em dia.
Ela é o tipo de pessoa de sorriso largo e de um carisma magnetizante. Sempre lhe digo isso. Reforço-lhe a convicção do quanto sua companhia me faz bem.
Tenho passado dias cinzentos. Azuis cinzentos. Dias de pijama. Olho da janela do meu quarto. Nenhum sinal de chuva. Afinal, estamos na época da seca. Porém, algo incômodo faz molhar meu rosto. Tenho visto o mundo em cores gris. O que me derruba. Sobretudo, porque amo as cores saturadas e vibrantes. É essa nuvem que chega de repente e paira acima da minha cabeça.
Encontrá-la ajudou dissipar a nuvem. Pelo menos por um dia, senti o calor do sol na minha pele. Tive ânimo de sair de casa. Tirar as muletas para a rua.
Rimos muito. E nada como o riso para espantar os fantasmas que nos assombram.
Faltou tempo para contar todas as novidades. Fiquei com aquela vontade de ficar mais. 
Como a criança que pede para brincar só mais um pouquinho, insistia com o Ricardo para ficarmos mais um tempo. Enfim, chegou a hora de pegar a estrada. Despedi-me com uma lágrima no cantinho dos olhos.
Naturalmente, quando duas amigas se juntam, há muito o que falar. Desde os últimos lançamentos da indústria cosmética, aos acontecimentos familiares tragicômicos.     
De regra, quando ficamos muito tempo sem encontrar um amigo, o desenrolar da conversa parece meio travado. Há um constrangimento inicial. Queremos falar sobre nossos filhos, trabalho etc. No entanto,  temos receio de parecer egocêntricos. 
O reencontro pode ser um fracasso se as pausas na fala começarem a se prolongar. O silêncio é perturbador.  Catamos os mais variados assuntos na tentativa de reanimar a conversa.  Perguntamos pelo destino de amigos em comum: " E o Fulano, têm notícias? ". E, se não der certo, nessa hora dramática, falar no clima é a saída convencional: " Será que chove?". 
Não há dúvida que, chegado a esse ponto, o mais aconselhável é ensaiar a despedida. É preciso reconhecer que o tempo e a distância foram corrosivos ao extremo. Relacionamentos enferrujados exigem mais esforço para voltar à sintonia.
No reencontro de quarta-feira, não tivemos  nenhuma dificuldade. Bastou a porta abrir e logo um turbilhão de temas se sucederam, um após outro.  Não houve pausas ou silêncios perturbadores. Falamos. Rimos. Choramos.  Ao mesmo tempo ou sucessivamente.
Nossos maridos se cansaram. Tomaram rumo para a televisão. Melhor assistir ao jogo de futebol a esperar pelo fim de nossa conversa.  De imediato,  já devem ter imaginado um provável  complô para  "chorar as pitangas" e falar mal deles.
Oh, mania que homem tem de pensar que nós mulheres só nos juntamos para falar mal "deles".
Sim, falamos "neles"  também.  No quanto suas companhias nos fazem bem e felizes. Mas, um tema que permeou nossa conversa foi, sem dúvida, a solidão.
Ambas comentávamos do quão contraditória é a circunstância de estarmos  rodeadas de pessoas, ter uma família adorável, e mesmo assim, ter dias de solidão.
Hoje, relembrando nosso bate papo, não sei ao certo se falávamos de "solidão". Talvez estivéssemos tratando de algo que falta. Um vazio. Uma ausência. Sem melhor definição, e na falta de uma expressão mais adequada, denominamos "solidão".
Raramente estou sozinha. Minha casa é barulhenta. Os gêmeos gritam, falam (e muito). As músicas do quarto da adolescente da casa, repercutem nos demais cômodos. Têm também os sons da cozinha. O "plec-plec" das panelas. O telefone toca sem parar. A campainha soa a todo instante.  Todos esses sons me dão a certeza de nunca estar só. Mas, há dias vazios. Sem toda essa sonoridade.
Minha amiga tem razão. Há dias que falta uma palavra. Decepção de caixa postal vazia. Telefone ocupado.  Porta fechada.  Ausência sei lá do que.
Como indivíduos, vivemos uma época dos mais variados meios de contato interpessoal. Passamos o dia conectados: celular, computador, iPad, iPhone etc.  Através das Redes Sociais temos muitos "amigos". Esses que "curtem", "compartilham" suas vidas.  Distantes e próximos, ao mesmo tempo.
Contudo, confesso minha carência do contato visual.  Do "tête-à-tête". Reclamo a falta de oportunidades de sentar no tapete da sala e ficar horas conversando com uma amiga. Na multidão de demandas da vida, parece que só sobra tempo para ter amigos virtuais.
Amigos virtuais são ótimas companhias nas horas insones. Geralmente lembram dos nossos aniversários (o programa avisa). Sua visita é rápida, pois de imediato estará inteirado de nossas vidas. Econômico nas palavras. Não "esquenta o banco".
É, eis as vantagens dos relacionamentos virtuais.  Interessantes quando estamos a fim de um  bate-papo. Convenientes quando não queremos receber visitas. Basta "desconectar". Acinzentar a bolinha. Desnecessário colocar a "vassoura atrás da porta".
A inconveniência da relação virtual é a sua superficialidade.  Não se dar a conhecer em profundidade. Parece um baile de máscaras. Sempre é possível se esconder atrás de um "avatar".
Faço um tremendo esforço para me acostumar ao ebook. Logicamente, vejo vantagens na portabilidade. Mas, nada como saborear o cheiro de um livro novo. Marcar as páginas com as florzinhas que ganho dos meus filhos. Sublinhar os parágrafos que vou reler para o Ricardo. Encontro no papel um universo a ser explorado.
Da mesma forma, ainda careço de amizades reais. Com direito a aperto de mão e abraço. O virtual não me cura. Toca-me superficialmente. É apenas um placebo para aquilo que chamo de solidão.
Recebemos tantas solicitações de amizade virtual, todavia,  quem está disposto a cultivar os amigos reais? Ah, para isso se exige tempo. Têm seus ônus. Talvez essa indisposição é que deixe a  sensação de vazio e ausência, ao ponto de pagarmos terapeutas para ter quem nos ouça com qualidade. Graças a Deus por esses profissionais e seus ouvidos altruístas. 
Sentamos no divã, quando gostaríamos de estar na companhia de um amigo confidente. 
Ter um bom amigo é inquestionavelmente terapêutico. Cura as dores da alma.
Saí da casa da minha amiga, como quem sai da sala do terapeuta. Mais leve. Vibrante.   E, melhor,  não precisei pagar nada por isso.















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