Olhar roubado
Comecei a semana cansada. Algo anormal para uma segunda-feira.
Talvez tenha sido por causa da semana anterior, quando trombei acidentalmente com um olhar de assalto. Olhos grandes e marejados.
Olhar de infância roubada. Inocência arrancada dos braços.
O papel falava na criança. Contava a história dos seus dias de fuga e desespero. Procurei, porém não a encontrei. Sua sombra estava ali diante de mim. Quem sabe tenha estado escondida. Como uma miragem, tive a impressão de vê-la. Contudo, não passou de imaginação. A criança já não estava ali. O tempo me arrancou qualquer possibilidade de encontrá-la. E, o pior. Não haveria mais chances de lhe restituir o que foi roubado.
Como obrigar ao abraço e ao verdadeiro afeto? Ai... Pergunta que não aquieta.
Eu que vivo regada de tantos sonhos, trombei com um olhar sem ilusões, e sem fantasia. O mundo lhe foi real em demasia. Talvez seu único brinquedo foi o “esconde-esconde”. Contudo, fugir da realidade não é tarefa fácil. Quem dera fosse como bolinha de sabão, que basta soprar que ela se desfaz.
Aquele olhar tem me perseguido durante os últimos dias.
Ela parecia de porcelana. Frágil. Cristal finíssimo. Tive até receio de confrontá-la, ante a sensação de quebraria com um movimento qualquer.
Tamanha fragilidade me deixou comovida. Maldita sensibilidade a minha.
De repente, veio o impulso. Meus gestos sempre pedem para falar mais alto. Tive vontade de lhe tocar a mão e dizer: “Fica tranquila. Tudo vai ficar bem...”.
Mas, como haveria de estar bem. Estampado naquele rosto apenas uma ausência. A presença induvidosa do desamor. Quanta falta lhe fez um colo? Quantas vezes esperou por um simples afago nos cabelos? Aquele “boa noite” selado com um beijinho? É a simplicidade que nos faz completos. Por isso, que ainda insisto nos pequenos gestos. Esses que ficam berrando nos meus ouvidos.
E, sabe, ela tinha idade para ser minha filha. Lógico, a inevitável comparação chegaria.
Eu, contudo, perdi mais uma vez. Nocauteada pelo tempo. Esse meu maior inimigo.
Tempo, tempo, tempo, que num instante me apressa; noutro me ata, acorrenta. Corro contra ele, mas sempre acaba me engolindo. E, ainda me joga na cara: “Viu! De que adiantou correr? O mais importante ficou perdido lá atrás”.
Fonte imagem: http://canticlenew.wordpress.com/2010/09/14/como-uma-crianca-cre/
Considerando o arrasador trecho final do seu autorretrato, acho q estamos dialogando.
ResponderExcluirBelo blog, Excelência. Parabéns.
Um abraço do observador
http://esconderijo-do-observador.blogspot.com/
Também gostei do texto, muito verdadeiro.
ResponderExcluir"De que adianta correr se o mais importante ..."
Valeu, estou te seguindo, vem me visitar também, mas não fiques assustada com meu último post, é real.
Beijos da Mery, Rio de Janeiro.