Crise dos quarenta


Adélia Prado já disse que fazer quarenta anos é pior que fazer quarenta e dois.

Ainda não fiz quarenta anos,  mas estranhamente entrei em crise. Crise antecipada. Crise dos “quase” quarenta.

Explico-me. Estive em Belo Horizonte há um mês atrás e encontrei com pessoas que não via há quase sete anos.

Choquei-me ao perceber o tempo passado. Tempo marcado nas linhas profundas do rosto daquelas pessoas.  Tempo registrado na cabeleira branca ou na absoluta ausência de cabelos. Nos passos lentos do caminhar. Na curvatura da coluna. Marcas inequívocas do tempo.

Óbvio, sete anos não são sete dias. Então, por que a surpresa?

De fato, não deveria estar surpresa,  afinal a vida é assim mesmo: um constante desafio ao tempo. Sobrevivemos ao tempo, lutando contra seus efeitos.  

Confesso minha difícil relação com o tempo.

Não que eu já esteja preocupada  com seu registro em mim. Não. Ainda não.

Sei o quanto se tem buscado a fórmula mágica da juventude. Botox, cirurgia plástica, preenchimentos – tentativas de retardar o inevitável.

Mas, não é a isso que me refiro. Refiro-me a sua imperceptível velocidade que tem passado por mim. Isso, sim, me aflige.

Seria o tempo presente que me angustia? Esse que por vezes voa frente aos meus olhos. Tudo tão rápido. Sempre corrido. Esse tempo verbal, constantemente insuficiente para atender todas as minhas demandas. Escasso para corresponder a tudo aquilo para o qual sou demandada.

Ou seria o tempo futuro, em sua aparente distância?  Este que às vezes quase me atropela, tão rápido o seu galopar.

Mas, o que me deparei em Belo Horizonte foi com o tempo passado. Pretérito imperfeito.   Não percebido, não sentido. Esse que me trouxe a inconfortável sensação de não tê-lo vivido.

Questionei-me onde estive nestes últimos sete anos. “O que fiz neste tempo todo?”.

Profissionalmente,  gráficos, relatórios e índices de produtividade me provariam que o tempo não foi em vão. Não passou em “brancas nuvens”.  Contudo, me pergunto: quantas vezes tive tempo para aquilo que realmente importa?

Lembrando dos amigos marcados pelo tempo, resolvi me defrontar perante o espelho. Ora, se o tempo não lhes foi gentil, não haveria de sê-lo comigo.

Sim, o tempo passou. Vejo-o nas linhas finas abaixo dos meus olhos e em alguns cabelos brancos que teimam em aparecer em minhas têmporas. Vejo-o, também, na adolescência de minha filha, que já me ultrapassa em altura. Percebo-o quando ela “ataca” meu guarda-roupa, procurando sapatos, calças etc., que já lhe caem com perfeição.

O que me angustia frente ao tempo é o temor de ver a vida passar sem que tenha me permitido viver o que realmente importa. Tempo perdido, sem a companhia daqueles que me cercam. Daqueles que reclamam minha presença e se ressentem de minhas ausências.

Queixando-me a um médico sobre a tal crise dos quarenta, este me disse, em tom magistral: “Sim, estás envelhecendo. Porém, não podes negar que igualmente estás vivendo. Entenda: envelhecer é viver”. Sábias palavras.  

E, com esta máxima, tive que olhar para o tempo, com olhos menos desconfiados. Vi-me impelida a dar as mãos ao tempo, ainda que ciente que ele me consome, me devora.

Ah, quanta ingratidão! Tempo passado, é sem dúvida tempo vivido.  Deveria ser grata por isso.

O que não posso mais é postergar a urgente mudança de prioridades.

Talvez só assim me sinta plenamente recompensada por um passado-mais-que-perfeito.




Comentários

  1. "Tempo, tempo mano velho, falta um tanto ainda eu sei...
    Pra você correr macio...
    Como zune um novo sedã...
    Tempo, tempo, tempo, mano velho...
    Tempo, tempo, tempo, mano velho...
    Vai, vai, vai, vai, vai, vai..."

    Todos sentimos isso, sem falar que o mundo de hoje nos empurra pra longe das coisas realmente importantes. Cabe a nós empurrarmos de volta. Nem sempre fácil...

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  2. Para os que te rodeiam esse tempo nao passou despercebido, foram tantas vitórias, alegrias, filhos que vieram, tristezas, e graças a Deus isso tudo fica marcado em nosso rosto, para nao esquecermos do que vivemos. Ricardo Schwertner

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