Xarope de Limão
Tudo bem. Vou dar o braço a torcer. Estar de licença não é uma coisa assim tão, tão ruim. Afinal, tudo tem o seu lado bom. É aquela história: "Deve-se fazer do limão uma limonada".
Passaram-se trinta dias e conto as horas para voltar a ativa. Muito tempo sem rotina, agenda lotada e metas para cumprir.
Pode ser que alguém esteja cansado, pedindo para quebrar uma perna a fim de fugir dos compromissos. Esse mesmo alguém talvez questione a minha sanidade mental por lamentar o fato de não poder ir trabalhar.
Sim, lamento. E muito. A questão é que gosto da minha profissão. Trabalhar me dá a certeza de que meus dias não passam em vão.
Longe do trabalho, fico sem assunto. Perco a disposição para o café da manhã. Preciso do conforto da minha rotina. Dependo da segurança da minha agenda.
De qualquer maneira, terei ainda que "digerir" mais quinze dias de licença.
As férias programadas tiveram que ser reprogramadas. Consequentemente, "curtir" esse período de parada compulsória é a melhor saída. Mas, vou precisar de um pouco mais de açúcar nessa "limonada".
Então vejamos quais seriam as opções para "curtir" uma licença saúde.
a) Viajar? Não. A perna quebrada tem que ficar para cima. Então, deixemos para outra hora a viagem.
b) Cozinhar? Também não. Não me adaptei o suficiente para fazer malabarismos no fogão, usando muletas.
c) Esportes? Nem pensar. Meu único esporte atual é levantamento de perna, na fisioterapia.
d) Brincar com os filhos? Estou tentando. Embora a atividade seja de alto risco. Os gêmeos esquecem que a mamãe está "dodói" e disputam no braço a preferência do colo.
e) Assistir televisão? Humm... Sinceramente, não tenho paciência para televisão.
Sério! Não me pergunte qual é a novela das oito, pois não saberia responder. Normalmente, só assisto um canal de notícias no intervalo do almoço.
Abro uma exceção aos filmes, desde que não me façam levantar da cadeira me sentindo mal.
A convite do meu marido, fomos assistir o "Discurso do Rei" (Paris Filmes), vencedor do Oscar de melhor filme deste ano. Não consegui chegar ao final.
Nos primeiros minutos do filme, o Princípe George (interpretado por Colin Firth) começou a gaguejar e, sem pensar duas vezes, levantei do sofá.
Vê-lo naquela situação me deu uma agonia. Lembrei da minha adolescência "meio" gaga.
Não sei se existe essa coisa de ser "meio" gago. Talvez quem tropece nas palavras, só um pouquinho, quando está nervoso, possa ser considerado apenas "meio" gago.
Pensando melhor, não tenho certeza se eu gaguejava porque estava nervosa, ou ficava nervosa porque gaguejava. De um jeito ou de outro o resultado era um desastre.
Acredito que o raciocínio do gago vem mais rápido que a fala. As palavras se atropelam. A língua trava. E, quanto mais se tenta falar, mais enguiçado fica o "trem".
Com o tempo aprendi a organizar o pensamento e falar pausadamente. Sem atropelos.
Ao ver o intérprete do herdeiro da coroa britânica naquela situação, revivi os tempos de gagueira e todo o constrangimento que ela implica. Fugi do sofá. De momentos ruins já basta a vida real.
Em nova tentativa, fui ver o desenho "A Princesa e o Sapo" (Walt Disney) com os gêmeos. Desta feita, foram eles que abandonaram o sofá, minutos depois de a princesa virar sapo. Pulando num pé só, fui atrás das crianças, largando mais uma vez o filme pela metade.
Depois de “curtir” vários livros, fazer artesanato e fotografar até a jarra d'água em cima do criado mudo, o tédio começou a se insinuar.
Do quarto, ouvia as gargalhadas abafadas dos gêmeos que vinham da sala de TV. Pela fresta da porta, espiei a farra que eles faziam assistindo o DVD da "Galinha Pintadinha".
Eles dançavam e pulavam. Helena repetia os gestos dos personagens. O Pedro, por sua vez, se sacudia, dançando no melhor estilo "Roberto Leal".
Ao som do "pó, pó, pó, pó, pó, pó, póóóó...", peguei a câmera e registrei o momento.
Já revi o vídeo algumas vezes e não consigo conter o riso. “Curtir” as palhaçadas dos meus pequenos, fez meu tédio ser varrido para longe.
Meus filhos é que açucaram a minha vida. Fazem da limonada, um verdadeiro “xarope de limão”. Quebram a minha rotina. Riscam a minha agenda.
Com choro, com sorrisos e beijinhos vão soprando novos ares nos meus dias, levando embora qualquer azedume.
Na nossa vida nada acontece por acaso, sabe lá o que Deus tem planejado para ti envolvendo este teu acidente. Bom, o que sei é que tenho gostado muito de te cuidar nesse período. Ah! já ia esquecendo, a crônica esta muito boa. Como todas. RICARDO SCHWERTNER.
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